Por uma vida mais criativa
Sair da
rotina e pensar fora da caixa não é privilégio de poucas cabeças que conseguem
ver além do lugar-comum. A criatividade está ao alcance de todos.
A
criatividade é a bola da vez. Verdade. Mas essa frase não é nada original. Sabe
por quê? Porque ela usa uma analogia velha, que todo mundo já conhece. E ser
criativo é exatamente o oposto do lugar-comum. “É a capacidade de pensar
fazendo um novo arranjo de ideias novas. Ou seja, a partir de um conceito já
estabelecido, criar soluções e estratégias que nunca foram pensadas antes”,
explica Ana Paula Cuocolo Macchia, neuropsicóloga do Instituto Ideia, em São
Bernardo do Campo, SP.
Mas que ela
é a bola da vez, é mesmo. Foi-se o tempo em que os criativos eram vistos como
preguiçosos e a criatividade apenas como coisa de artista. Hoje, tudo acontece
muito rápido, ideias e produtos ficam obsoletos em poucos dias. Então, algo
novo está sendo criado a todo instante e a capacidade de gerar novidade é
valorizada em vários campos da vida, sejam eles pessoais ou profissionais.
Essa
habilidade para fazer o diferente está relacionada a processos cerebrais
variados. “Não trabalhamos mais com o conceito de que o hemisfério direito é
intuitivo e o hemisfério esquerdo, lógico. Não existe essa separação”, diz
Mario Louzã, psiquiatra da Universidade de São Paulo. “Praticamente todas as
áreas cerebrais participam do processo de gerar ideias novas. O que importa é a
formação de novos circuitos, das redes que se constituem no cérebro”, completa
ele.
Felizmente,
as novas conexões não dependem de habilidades acadêmicas. Têm mais a ver com a
flexibilidade mental, capacidade de adaptação, fatores emocionais e com a
própria personalidade. “Vemos muitas pessoas inteligentes e pouco criativas,
que evitam riscos, têm medo de incorrer no erro e receber críticas”, diz Ana
Paula Macchia. Ser criativo envolve, portanto, os vários tipos de inteligência,
não apenas a lógica. A linguística, a espacial e a capacidade de se relacionar
consigo mesmo e com os outros também são importantes.
Qualquer um,
em qualquer idade, pode desenvolver seu potencial de criar coisas novas. Muitos
pensam que a criança é mais criativa que o adulto. Isso é verdade somente em
parte. Além de contar com um cérebro altamente flexível, os pequenos têm menos
medo de errar e também não valorizam tanto as opiniões alheias, o que são
pontos a favor. Por outro lado, para ser criativo é preciso ter repertório,
conhecer lugares, pessoas, ter vivido situações. E a pouca idade não permite
que eles tenham isso. Então, nesse sentido, o adulto leva vantagem porque já
conheceu mais coisas.
Não se pode
subestimar a importância do ambiente no qual a criança foi criada como
influência no seu potencial criativo futuro. Se cresceu sendo incentivada a
desenvolver seu lado lúdico, se recebeu estímulos diferentes, se teve liberdade
para se expressar, terá uma chance muito maior de ser um adulto cheio de
ideias. Mas se os estímulos adequados não foram dados na infância, nem tudo
está perdido. É mais difícil, mas continua sendo possível estimular o cérebro
mesmo depois dos 20 ou dos 30 anos.
É mais
viável ser criativo dentro de seu próprio universo. Se não conhece as notas
musicais, a chance de criar uma melodia inusitada é praticamente zero. O físico
Albert Einstein, por exemplo, tinha um problema teórico para resolver em suas
pesquisas, e o fato de ter estudado física deu a ele a bagagem necessária para
lidar com isso. Precisou de muita criatividade, mas também de certo
conhecimento, para criar a Teoria da Relatividade. Já o talento artístico do
pintor Pablo Picasso associado à sua criatividade permitiu que ele criasse o
quadro Cabeça de Touro, no qual usou um selim e um guidão de bicicleta para formar
a cabeça do animal. “Dificilmente Einstein seria capaz de imaginar uma pintura
como essa, da mesma forma que Picasso não chegaria nem perto de algo parecido
com a Teoria da Relatividade”, reflete Mario Louzã.
O
ambiente é importante para a formação da criatividade também na vida adulta.
Isso vale principalmente para os aspectos profissionais. Se o lugar em que você
trabalha está pouco aberto a novas ideias, a chance de elas surgirem não é
grande. Provavelmente vão morrer antes de ganhar corpo. Da mesma forma, se todo
dia você faz tudo igual na sua rotina, são pequenas as chances de criar
conexões inusitadas.
As técnicas
que têm o objetivo de ampliar o potencial criativo das pessoas são inúmeras. O
design thinking (desenho do pensamento), por exemplo, vem fascinando os
gestores das empresas, que enxergam nessa metodologia possibilidades de
favorecer a criação de produtos inovadores. As técnicas ajudam as equipes a
tornarem os processos mais flexíveis e, assim, conseguirem pensar de forma mais
ousada. Ideias originais surgem de técnicas como o brainstorming (tempestade de
ideias) e da liberdade de criar protótipos para testar alternativas. Permitir o
erro. Esse é um dos pontos da metodologia que dá para aplicar no dia a dia de
cada um. É impossível ser criativo se você não admitir a possibilidade de
errar. A seguir você vai entender melhor essa dica e conhecer outras técnicas
para encontrar soluções inusitadas para resolver problemas do dia a dia:
• Permita-se
falhar. “Criatividade implica fazer algo novo, que ainda não foi feito. E, se
ainda não foi feito, pode não dar certo. É preciso aceitar a falha como uma das
etapas dos processos de inovação”, ensina o publicitário Tadeu Brettas,
consultor de criatividade e professor do Inova Business School e da Unicamp,
ambos em Campinas (SP). Todo processo de criatividade envolve risco. “Não se
arriscar é o caminho mais curto para não sair de onde está”, diz Brettas.
• Organizar
o trabalho em etapas muito definidas, que levam a resultados previsíveis, não
ajuda a criatividade. Esse é o ponto de vista defendido pelo psicólogo
americano Art Markman, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Ele
acredita que é até possível sistematizar algumas das atividades ligadas à
criatividade – você pode agendar uma reunião de brainstorming para toda
segunda-feira pela manhã, mas não deve controlar o que sairá dela.
• Tenha
interesses variados. Olhe o caso do artista renascentista Leonardo da Vinci.
Ele não era apenas um pintor excepcional, mas também escultor, arquiteto,
engenheiro, geólogo, músico e escritor. Seus múltiplos interesses davam a ele
vários insights. Então leia, cozinhe, viaje, vá ao cinema, brinque. “Quanto
mais diversificadas suas atividades, maiores as chances de ter ideias
criativas”, garante Brettas.
• Estimule
sua curiosidade. Tente entender melhor como as coisas funcionam, a origem dos
fenômenos do dia a dia, quem compôs determinada música, pintou um quadro, como
se faz um bolo de fubá. São conhecimentos que não necessariamente serão
aplicados, mas têm a função de “exercitar” o cérebro.
• Não se
preocupe tanto com a opinião dos outros. Esse é o conselho dado por Tim Brown,
presidente da empresa Ideo, que criou a metodologia do design thinking, em
palestra no TED, fundação americana que realiza conferências ao redor do mundo.
“Recear o julgamento dos outros nos faz conservadores e diminui a chance de
criar”, completa Brown.
• Reveja
constantemente seus objetivos e conceitos. Uma ideia que hoje parece impossível
pode virar realidade dentro de alguns anos. Há pouco mais de uma década, quase
ninguém imaginava que seria possível conectar-se à Internet pelo celular ou
pedir comida por meio dele sem precisar telefonar.
•
Distancie-se do problema para encontrar uma solução criativa. Segundo uma
pesquisa realizada por cientistas da Universidade de Bloomington, nos Estados
Unidos, olhar uma situação difícil pela perspectiva de outra pessoa ou tentar
enxergar a questão como se ela fosse irreal aumenta o potencial criativo. Pode
até ser um distanciamento físico do problema, como uma viagem. Essas atitudes
afetam a forma como a mente representa as coisas, tornando-as mais abstratas, o
que leva a soluções menos comuns.
• Faça uma
caminhada. São várias as pesquisas que mostram que esse tipo de exercício
favorece insights criativos. Um trabalho realizado na Universidade de Stanford,
nos Estados Unidos, comparou os níveis criativos de pessoas enquanto caminhavam
com momentos em que estavam sentadas. A habilidade aumentou em 60% enquanto o
corpo estava em movimento.
• Durma profundamente. Quando isso acontece, a
pessoa entra no chamado sono REM (sigla para a expressão inglesa rapid eye
movement), quando acontecem os sonhos mais vívidos. Quanto mais tempo você
passar de olhos fechados nessa fase, mais seu cérebro será capaz de realizar
novas conexões.
Fonte: A Mais Saúde